Mês passado,me peguei namorando um vestido exposto na vitrine de uma loja no shopping. Eu, que havia prometido economizar minha mesada este ano, fui levada pelo desejo de consumir. Aquele vestido preto que provavelmente acabaria sendo esquecido no meu guarda roupa, estava me seduzindo. Talvez pelos bons momentos que me imaginei usando futuramente, ou por quão bem eu pensei que ficaria em mim. A questão é que eu havia ido para o shopping apenas com o intuito de passear, estava andando pelos corredores e o avistei de longe. Aí depositei a esperança de que ele fosse me fazer feliz. Acabei comprando, e como sempre, logo aquela sensação passou e aquele pedaço de tecido não me trouxe felicidade alguma. Como uma simples peça de roupa me seduziu a ponto de eu não conseguir cumprir a minha promessa?
Assim que cheguei em casa, resolvi pesquisar um pouco mais sobre esse meu impulso… Fiquei chocada sobre o quanto aprendi sobre mim mesma.
Comecei por tentar descobrir o porquê de eu buscar tanto o prazer… Pascal disse uma vez: "Todos os homens procuram ser felizes; isso não tem exceção... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar..." E penso que o lugar onde mais procuramos a felicidade, são nos prazeres. Comida, roupas, bens materiais… É mais fácil, pois essas coisas estão sob nosso controle. Podemos pagar e recebê-las imediatamente. Mas o que realmente traz a felicidade genuína, aquela em que segundo Mário Sérgio Cortella é descrita como “Um momento de vibração intensa da vida no qual você se coloca, inclusive com a compreensão de que naquele momento já poderia morrer”, são coisas que não podemos controlar e exigem certo esforço, como se relacionar com outras pessoas, praticar atos de bondade… e acaba sendo mais fácil escolher prazeres fúteis, o que chamo de prazeres “ingratos” ou “enganosos” , pois no momento em que queremos, damos tudo de nós e ficamos super animados, mas logo que conseguimos a sensação passa.
Mas qual seria o problema de agir em busca de prazeres?
Immanuel Kant, um filósofo prussiano, associa a liberdade com prazer. Segundo ele, o ser humano é livre apenas agindo autonomamente, sem se deixar levar por desejos e vontades.
Para Kant, agir em busca do prazer é ser escravo dos próprios impulsos e vontades. Somos seres racionais, capazes de agir e escolher livremente. Devemos agir de acordo com nosso dever e nossas leis morais, e esses prazeres nos distanciam disso. Não é possível agir de forma autônoma e seguir nossos impulsos ao mesmo tempo, pois não escolhemos os desejos que temos.
É fácil aplicar esse conceito no nosso dia a dia. Eu precisava economizar meu dinheiro para pagar meus estudos e sabia que não deveria desperdiçá-lo em um vestido, mas mesmo assim o fiz. Porque mesmo sabendo o que é certo e errado, o impulso é tão forte que acabei cedendo. Podemos observar o caso de alguém que não consegue manter a dieta, pois no momento uma fatia de bolo de chocolate parece mais atraente do que a saúde. Ou então quando fazemos uma piada maldosa, .mas que vai tirar a risada de todos, o prazer de se sentir o centro das atenções acaba sendo mais atraente do que preservar a minoria que será afetada com a piada.. Como ser livre se somos escravos de nossos desejos ?
Meu próximo passo era desvendar as ilusões que eu havia criado a respeito do vestido. Uma das coisas que se passou na minha cabeça naquela hora foi como eu já havia visto várias meninas da minha idade usando peças parecidas com aquele modelo, e como aquilo estava na moda. Por que eu fazia tanta questão de ter algo que estava todo mundo usando e que se provavelmente não estivesse em alta eu nem teria olhado? Comecei a refletir e pesquisar um pouco mais sobre o assunto.
Descobri então sobre o psicólogo Abraham Maslow, que afirma que nosso objetivo de vida é atingir a plena auto realização, e que agimos de forma a conquistá-la. No entanto, apenas nos sentimos dessa maneira, atingindo primeiro a necessidade social e a necessidade de estima. A necessidade social está sendo buscada a todo momento por nós por meio de atitudes, aparências… mesmo que de forma inconsciente. Ela é a busca pelo afeto, pela aprovação, sentir-se parte de um grupo, ser membro de um clube, carinho dos familiares, amigos.. e a falta de sucesso dessas necessidades pode causar tristeza e despertencimento. Já a necessidade de estima é a necessidade do ser humano em se sentir respeitado, apreciado, reconhecido e poderoso.
Talvez essas necessidades explicassem a minha vontade de sempre vestir e fazer o que está na moda e o que as pessoas mais bonitas e famosas estão fazendo. Eu queria pertencer àquele grupo e isso me incluía nele. Me vestir bem, ir a restaurantes legais e postar fotos me classificava como uma pessoa cheia de amigos e festeira, e era essa a imagem que eu gostava de passar porque para mim aquilo era felicidade, e todos queremos parecer felizes. No fundo eu morria de medo de ser excluída e julgada. Esse medo da solidão decorre do sentimento de que não pertencemos ou não estamos na presença de igual. Logo nos esforçamos para fugir dessa situação.
Nesse universo em que eu me imergia, o Instagram era um dos maiores meios de propagá-lo. Isso porque essa vontade de ser “humano entre seres humanos", nos faz querer sentir uma conexão com outras pessoas, e as redes sociais nos criam essa falsa ilusão, o que não é real, pois conexões são criadas através de gestos, conversas, e momentos. Além disso, é muito simples expor o que quisermos lá. É uma oportunidade perfeita para criarmos a nossa vida do jeito que queremos.
Em relação ao pertencer, esse aplicativo também é perfeito para isso. Vemos um grupo de pessoas que parecem atrair atenção, se vestem bem e tem um estilo de vida interessante. Logo queremos fazer parte para nos sentirmos bem. Isso leva muitas pessoas ao vício, até porque a “ vida perfeita “ só é perfeita se for exposta, né?
Mas se os meus gostos estavam entrelaçados aos gostos dos outros, do que será que eu realmente gostava ? E é aí que a falta de autoconhecimento entra…
Eu havia passado toda a minha adolescência focada em fazer as mesmas coisas que meu grupo fazia e nunca havia parado para me conhecer de verdade. Acredito que isso explica muitas besteiras que eu já fiz. Quando não temos nossos gostos e limites delimitados, o dizer “não” se torna muito difícil, porque acabamos fazendo coisas baseadas nas escolhas das pessoas que nos cercam. Talvez isso explique um pouco porque tantos jovens começam a beber ou fumar…
Também acabei descobrindo a minha dificuldade em ficar sozinha e passar tempo comigo mesma. Não me conhecia, e como poderia passar tempo com uma estranha? Nem sabia o que gostava de fazer.. Talvez aquele trecho da aula de filosofia da escola pela qual eu acabei me interessando, poderia virar uma grande paixão minha, ou o livro que o professor de literatura citou na aula também… Mas eu estava ocupada demais vivendo a minha vida baseada nos outros e ignorando todo o resto, sempre com o pavor de não me encaixar em algum grupo.
Acredito que esse medo de não pertencer e me sentir sozinha acontece por duas razões. A primeira, é porque estar sozinho significa olhar para si mesmo e se conhecer, e isso certas vezes nos apavora, pois podemos descobrir que estamos levando a nossa vida de maneira errada, à custa de aparências. Para a maioria das pessoas, é mais fácil ignorar seus defeitos do que mudar de atitude. Pensa em uma pessoa que já viveu mais da metade da vida querer olhar para os erros que cometeu, entender os motivos e mudar de atitude. Isso certamente não é fácil. Por isso, optar por ficar na zona de conforto e repetir os mesmos padrões de comportamento parece mais sedutor. A segunda, é porque desde pequenos somos ensinados que estar sozinho é uma coisa ruim. Estar sozinho significa não ter amigos e ser excluído. Nos filmes infantis, a menina que lancha sozinha no banheiro é sempre a “estranha” que sofre bullying. Eu mesma diversas vezes já fiquei com medo de me verem sozinha no recreio!
Essa jornada de pesquisas deu um sentido para coisas da vida que eu nunca havia parado para olhar. A curiosidade e a busca pelo autoconhecimento são ideais que devem acabar apenas quando morremos. Como Jostein Gaarder escreveu em O mundo de Sofia: “ O triste é que ao crescermos não nos habituamos apenas à lei da gravidade, habituamo-nos, simultaneamente, ao mundo.
Aparentemente, perdemos durante a nossa infância a capacidade de nos surpreendermos com o mundo. Mas com isso, perdemos algo essencial — algo que os filósofos querem reavivar. Porque em nós algo nos diz que a vida é um grande mistério. Já tivemos essa sensação muito antes de termos aprendido a pensar nisso. Vou ser mais preciso: apesar de todas as questões filosóficas dizerem respeito a todos os homens, nem todos os homens se tornam filósofos. Por diversos motivos, a maior parte das pessoas está presa de tal forma ao quotidiano que o espanto perante a vida é muito. Podes dizer que um filósofo permanece durante toda a sua vida tão capaz de se surpreender como uma criança pequena. “
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